BODAS DE SANGUE
de
F. Garcia Lorca
TRAD: ANTONIO MERCADO
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QUADRO I
Casa pintada de amarelo NOIVO (entrando) Mãe. MÃE NOIVO MÃE NOIVO MÃE NOIVO MÃE NOIVO MÃE Que é? Já vou. Aonde? Para a vinha. (Vai sair.) Espere. Quer alguma coisa? Filho, o almoço. Deixa. Vou comer uvas. Me dá a navalha. Para quê? Para cortar as uvas.
NOIVO (rindo)
MÃE (entre dentes e procurando-a) A navalha, a navalha... Malditas sejam todas as navalhas, e o canalha que as inventou. NOIVO MÃE NOIVO MÃE Vamos mudar de assunto. Não sei como você se atreve a levar uma navalha no corpo, nem sei como ainda deixo essa serpente dentro do baú. Ora! Como é possível que uma coisa tão pequena como uma pistola ou uma navalha possa dar cabo de um homem? Um homem bonito, com sua flor na boca, que vai para as vinhas ou para os olivais que tem, porque são dele, herdados... ... e esse homem não volta. Vamos parar? Não. Não vamos parar. Alguém pode me trazer seu pai de volta? E seu irmão? Dois homens que eram dois gerânios... sem fala, viraram pó. E os assassinos, no presídio, folgados, olhando a paisagem... Já não chega? Não vou me calar nunca. Os meses passam e o desespero me perfura os olhos e pica até nas pontas do cabelo. E o que você quer, que eu os mate? Não.. Eu falo só porque... É que não gosto que você leve a navalha. É que... que não queria que você saísse para o campo. Ora!
NOIVO (baixando a cabeça) Chega, mãe. MÃE MÃE NOIVO (forte)
NOIVO MÃE NOIVO MÃE
NOIVO (rindo)
3 MÃE Como eu gostaria que você fosse mulher! Agora, nós duas ficaríamos aqui bordando cortinas e cachorrinhos de lã.
NOIVO (pega a MÃE pelo braço e ri) Mãe, e se eu levasse você comigo para as vinhas? MÃE MÃE Que é que uma velha vai fazer nas vinhas? Seu pai, sim, é que me levava. Boa casta. Sangue. Seu avô deixou um filho em cada esquina. Assim é que eu gosto. Os homens, homens; o trigo, trigo. E eu, mãe? Você, o quê? Preciso dizer tudo de novo! Ah! Você acha ruim? Não. E então?... Nem eu mesma sei. Assim, de repente, me assusta. Eu sei que a moça é boa. Não é mesmo? Comportada. Trabalhadeira. Amassa seu pão, costura os vestidos, e mesmo assim, quando falo nela, é como se me dessem uma pedrada na testa. Bobagem. Bobagem, mesmo. É que eu vou ficar só. Agora já não tenho mais ninguém, só você, e me dói que vá embora. Mas você vem conosco. Não. Não posso deixar seu pai e seu irmão aqui, sozinhos. Tenho que ir lá todas as manhãs, e se eu for embora pode ser que morra um dos Félix, um da família dos assassinos, e seja enterrado junto deles. E isso nunca! Não! Isso nunca! Porque eu o desenterro com as minhas próprias unhas, sozinha, e esmago na parede. Desculpe. (Pausa.) Faz quanto tempo, esse namoro? Três anos. Três anos Até que enfim, consegui comprar a vinha. Ela teve um noivo antes, não teve? Não sei. Acho que não. As moças têm que saber com quem se casam, olhar bem. Eu não olhei para ninguém. Olhei para seu pai, e quando o mataram olhei para a parede em frente. Cada mulher com seu homem, e pronto! NOIVO (levantando-a nos braços) Velha, revelha, requitivelha!
NOIVO MÃE NOIVO MÃE (séria) NOIVO MÃE NOIVO MÃE
NOIVO MÃE NOIVO MÃE
NOIVO (forte) Já começou de novo. MÃE NOIVO MÃE NOIVO MÃE NOIVO MÃE
4 NOIVO MÃE NOIVO NOIVO MÃE MÃE Você sabe que minha noiva é séria. Não duvido. Mesmo assim, sinto não saber como foi a mãe dela. Para quê? Filho. Que é? Você tem razão! Quando quer que eu vá pedir a moça? Domingo, está bem? Isso, isso, e tomara que você me alegre com uns seis netos, ou mais, se tiver gana, que seu pai não teve tempo de me fazer outros filhos. O primeiro é seu. Bom, mas que haja meninas. Pois eu quero bordar e fazer renda e ficar tranqüila. Tenho certeza de que vai gostar da minha noiva. Vou gostar, sim. (Vai beijá-lo e reage.) Vá, você Já está muito grande para beijos. Guarde os beijos para a sua mulher. (Pausa. A parte) Quando já for sua. Vou indo. E cavem bem aquela parte junto do moinho, que anda meio descuidada. Pode deixar. Vá com Deus. (O NOIVO sai. A MÃE fica sentada de costas para a porta. aparece na porta uma VIZINHA vestida de escuro, com um lenço na cabeça.) Entre. Corno vai? Assim. Fui até o armazém e passei para ver você. Vivemos tão longe! Faz vinte anos que não subo até o alto da rua. Você está bem. Acha? As coisas passam. Há dois dias trouxeram o filho da minha vizinha com os dois braços cortados pela máquina. (Senta-se.) Rafael? É. E lá está ele. Às vezes fico pensando que o seu filho e o meu estão melhor onde estão, dormindo, descansando, e não expostos a ficar inúteis. Fica quieta. Tudo isso são bobagens, não consolam ninguém. Ai!
MÃE (olhando-o)
NOIVO (alegre)
NOIVO MÃE NOIVO MÃE
NOIVO MÃE NOIVO MÃE
VIZINHA MÃE VIZINHA MÃE VIZINHA MÃE VIZINHA MÃE VIZINHA
MÃE VIZINHA
mas a verdade é essa. a dez léguas da casa mais próxima. Já comprou a vinha! Teve sorte. Me disseram que a moça teve um noivo. Vale. e que espetam se for preciso.. É que eu queria que ninguém conhecesse as duas. Agora vai se casar..) E seu filho? Saiu. E a mãe dela? Essa. Não queria ofender. Ninguém lembra mais do noivado. MÃE VIZINHA MÃE VIZINHA Você conhece a noiva de meu filho? Boa moça! É. Agora. Que fossem como dois cactos. Que Leonardo?MÃE VIZINHA MÃE (forte) VIZINHA MÃE VIZINHA MÃE VIZINHA MÃE VIZINHA MÃE VIZINHA MÃE VIZINHA MÃE . se ela foi honesta ou não. Acostumada à solidão. tão longe. mas. ninguém sabe. Ele se casou já faz dois anos com uma prima dela. VIZINHA (triste)MAE (como que despertando e aproximando sua cadeira da VIZINHA) Escute. Tem razão.. eu conheci. Por isso é que tomo cuidado. E quem não se interessa por suas próprias dores? (Pausa. Tinha uma cara que brilhava como a de um santo. E como é que você se lembra? Você me faz cada pergunta!. Sempre a mesma coisa! Você é que me perguntou. Mas conhecer. Mas é boa. Ela era orgulhosa. por sinal.. Nunca se falou nisso. ninguém conhece. Não gostava do marido.5 MÃE MÃE VIZINHA MÃE VIZINHA Ai! (Pausa.. a fundo. mas nunca me agradou nem um pouco.) Quem era o noivo? Leonardo. Seu filho vale muito. Vive sozinha lá com o pai.. mesmo. Quando tinha uns quinze anos. Mas que gente para saber das coisas. de que ninguém fala. Bonita. Perdão. nem a viva e nem a morta. tempos atrás. VIZINHA (em tom confidencial) Diga.
MÃE (serena) VIZINHA MÃE VIZINHA MÃE CAI O PANO. Não diga nada a ele. As coisas!. No meio do caminho pára e benze-se lentamente. Mas você compreende.. Mulher. Vou indo. Não vá contra a felicidade do seu filho. mulher.. É verdade. Calma! Que é que você ganha com isso? Nada. Não vou dizer nada. Adeus. Já viu que dia mais quente? Iam negros os meninos que levam água para os segadores.) MÃE (levantando-se)Dos Félix!VIZINHA MÃE VIZINHA MÃE VIZINHA (beijando-a) Nada. Adeus.. Você está velha.. tenho que cuspir para não matar. As duas. Eu também. assim é que deve ser.6 VIZINHA VIZINHA MÃE O Leonardo dos Félix. Mas é só ouvir falar em Félix e é como (entre dentes) Félix! como se me enchessem a boca de lama (cospe) e tenho que cuspir. que culpa tem Leonardo? De que? Ele tinha oito anos no tempo das brigas. caladas. (Dirige-se para a porta da esquerda. que daqui a pouco a minha gente chega do campo.
Cavalo. dorme meu rosal. As patas feridas. Entravam no rio.(Levam o menino para dentro. dorme meu rosal. tão fundo entravam! o sangue corria Mais forte que a água. A água era negra por dentro das ramas! Quando chega à ponte. a crina gelada. A mulher faz tricô.. Ai. Corcel da alvorada! Não venhas. Dorme cravo meu. por vales de sombra onde a égua pasta. que o cavalo começa a chorar. Meu menino cala. que o cavalo começa a chorar. nana. meu filho tem a sua cama. Meu filho adormece. que o cavalo começa a chorar.. que o cavalo não quer mais beber. não entres! Vai para a montanha. cavalo grande que não quis a água! Não venhas. dorme meu rosal. que o cavalo não quer mais beber. Entra Leonardo) LEONARDO MULHER E o menino? Já dormiu. que o cavalo não quer mais beber. Quem dirá. descansa. Dorme. o que tem a água de tão longa cauda em tão verde sala? Dorme cravo meu. Dorme. Não quis nem tocar as margens molhadas o focinho ardendo com moscas de prata.7QUADRO IICasa pintada de cor-de-rosa. Dorme cravo meu. Menino. ali para e canta. e dentro dos olhos um punhal de prata. e colcha de Holanda. ai. nana. Nana. Sogra de Leonardo embalando uma criança nos braços. não. Nana meu menino do cavalo grande que não quis a água. Dorme. dor de neve. Pára! Cerra esta janela com ramas de sonho E sonhos de hera. cavalo grande que não quis a água! Ai. É de manhã. menino. Um berço de ferro. Para os montes duros é que relinchava com o rio morto na sua garganta. Meu menino dorme. ai. Ai.
é claro. Mas o cavalo estava se desfazendo. LEONARDO SOGRA SOGRA MULHER LEONARDO MULHER Eu. e o menino de um gorro com laços. naquele deserto? Foi o que eu disse. Era você? Não. passou bem. Para mim tanto faz Que arrebente! (Sentase. como se tivesse chegado do fim do mundo. Quer uma limonada? Com água bem fria. arranca todas nas pedras Não será porque você abusa? Não. MULHER (alegre) Hoje está que parece urna dália. E você? Foi à casa do ferreiro?MULHER LEONARDO MULHER LEONARDO MULHER LEONARDO MULHER LEONARDO MULHER LEONARDO MULHER LEONARDO MULHER LEONARDO LEONARDO MULHER MULHER (fazendo a limonada. minha mãe. Cuidado. exausto. e muito terna) E o preço é bom?LEONARDO (levantandose) Vou ver o garoto MULHER SOGRA (entrando) Mas quem anda correndo desse jeito no cavalo? Está lá em baixo.) A limonada. é seu. de noite. Ontem as vizinhas me contaram que você esteve na divisa dos campos. que ele está dormindo. Estou precisando de um vestido. não. Você foi ver? Eu. de olhos esbugalhados.8 LEONARDO LEONARDO Ontem não. mesmo. Ela está com o menino? Está. Que é que ia fazer por lá. Quase não saio com ele. É o justo. Eu estranhei. Estou vindo de lá. Chorou. E você nem veio comer! Fiquei com os medidores do trigo. Demorados como sempre. em suor. Parece incrível! Faz mais de dois meses que fico pondo ferraduras novas no cavalo. Pelo jeito. Pausa. Sabe que vão pedir minha prima?MULHER (tímida) Estava com os medidores do trigo. Está fria? Está. Então desculpe. e elas vivem caindo. Quem foi que disse? As mulheres que colhem alcaparras..
(Sai chorando) Por que essa mania de brigar com as pessoas? Não pedi a sua opinião. (Sentase. As bodas serão daqui a um mês. alegre.) Mas que luxo! Eles têm dinheiro.) Vamos ver o menino. Mas se ele diz isso é porque sabe. um barco aqui (aponta a barriga da perna).) Senhora. E compraram umas meias rendadas! Ai. Com licença.) MENINA SOGRA MENINA SOGRA MENINA SOGRA MENINA SOGRA MENINA SOGRA MENINA MULHER LEONARDO SOGRA MENINA SOGRA LFONARDO SOGRA (Aparecem Leonardo e a Mulher.) LEONARDO (forte) Não interessa!. E talvez tenha razão. Ela é danada.) Mas larguei dela. Menina! Urna rosa com os botões e o cabo. agora? Chega! (Arrancalhe bruscamente as mãos do rosto. Acho que a mãe dele não estava lá muito satisfeita com o casamento. (Para sua mulher) Vai chorar.) Muito bem. e aqui uma rosa (aponta a coxa). Não gosto que você pense essas coisas de uma moça direita. Que é? O noivo chegou na loja e comprou tudo o que havia Veio sozinho? Não.)LEONARDO (sério) Não sei SOGRA LEONARDO MULHER SOGRA LEONARDO (Aparece a Menina. (Saem abraçados.9 LEONARDO MULHER Quando? Amanhã. Espero que venham convidar a gente. Séria. Vim contar o que eles estão comprando. com a mãe dele. Você esqueceu que ela foi sua noiva por três anos? (Com intenção. Entra correndo. (Imitaa.(Pausa. Ah! E toda de seda! Vão se juntar dois bons capitais. alta. Que meias Toda mulher sonha com meias assim! Olhe só! Uma andorinha aqui (aponta o tornozelo). Mas deixe Fora daqui! Leonardo. não é para tanto.
cravo meu. LEONARDO MULHER LEONARDO MULHER Chega.CAI O PANO.MULHER (a Leonardo) O que há com você? Que idéia está remoendo nessa cabeça? Não me deixe assim. e me diga o que e. cantarola a Nana) Dorme. imóvel) MULHER (voltando-se lentamente e como que sonhando. Não. A Mulher permanece de pé. meu filho?10LEONARDO (áspero) Quer calar a boca? SOGRA (enérgica. Quero que olhe para mim. sem saber de nada. (Levantase.) Aonde vai. para sua filha) Quieta! (Leonardo sai) O menino! (Sai e torna a entrar com ele nos braços. Me deixe em paz.
mas muito desertas. com cortinas de renda e laços corderosa. (Sentamse. Sem água? Já teria arranjado. É velho. uma vinha inteira e uma planta que se chama Júpiter.QUADRO IIIInterior da cueva onde mora a noiva. CRIADA Entrem (Muito amável.imóveis como estátuas. A Mãe e o Noivo levantam-se e ficam de mãos dadas. Já estou velha demais para andar pelos barrancos do rio. Deve estar se vestindo..) Não querem sentar? Eles vêm já-já. Boas. Nas paredes. com uma grande corrente de ouro. nem uma árvore.) As três nogueiras do moinho. cheia de hipocrisia humilde. (Pausa) Boa colheita de rami. É que as terras são secas.) NOIVO (pela Noiva) (Entra o Pai da noiva. em silêncio) PAI MÃE PAI MÃE NOIVO PAI NOIVO Muito tempo de viagem? Quatro horas. Como mora longe. Longa pausa. Entram o Noivo e sua Mãe. que dá flores encarnadas. jarros azuis e pequenos espelhos. O Noivo. (Tira-o e olha. (Sai. com o cabelo branco e reluzente.(Pausa. e secou. Portas redondas.)(A Mãe e o Filho ficam sentados . Tem tontura. Seu pai teria coberto tudo isto de árvores.) Vieram pelo caminho mais longo. uma cruz de grandes flores cor-derosa. Boa. leques redondos. Quatro horas de viagem e nem uma casa. plantou dez cerejeiras. Nos três anos que ficou casado comigo. mesmo. de algodão listrado de preto. de material branco e duro. (Recordando. No fundo. com mantilha de renda. esta gente Mas as terras são boas.) Temos que voltar a tempo. Vem de cabeça inclinada. A Mãe de cetim preto.) MÃE NOIVO MÃE NOIVO MÃE NOIVO MÃE NOIVO MÃE Trouxe o relógio? Trouxe.
que não querem me vender nem por todo o ouro do mundo. entende? fiquem separadas. Não se queixe. (Pausa. Mas agora dá. Meu filho tem e pode. Para ver tudo junto: junto é que dá gosto! E dava menos trabalho. Nunca conheceu mulher. até a beira do riacho. digo o mesmo. estendêlas lá na encosta! Que alegria! Pra quê? O que é meu é dela. vendam aquilo. não roubam os frutos da gente.). E então? Acho bom. Que Deus abençoe sua casa. As vinhas valem uma fortuna.PAINo meu tempo. comprar tudo! Se eu tivesse tido filhos tinha comprado este monte inteiro. Cada ramo. Só me dá pena é que as terras. Meu filho é bonito.MÃEPAI (sorrindo) NOIVO PAI MÃE PAI NOIVO MÃE PAI MÃE PAI MÃE PAI MÃE PAI MÃE PAI MÃE PAI (Aparece a Criada com duas bandejas. Que Deus a abençoe. e comprem aqui ao lado. Eu gosto é de tudo junto. nem rami dava esta terra. vender! Bah! Comprar. Por isso. Vender. e como não passa ninguém. Você é mais rica do que eu. Tem a honra mais limpa que um lençol estendido no varal. mas havendo braços. uma moeda de prata. Eles já se entenderam.) Sabe por que vim. não. e dá para se dormir tranqüilo. É sempre assim. Prepara o mingau às três. Da minha. borda todo tipo de bordados e pode cortar uma corda com os dentes. Se a gente pudesse. Eu não vim lhe pedir nada. Quando eu morrer. filha. fica boa. com vinte juntas de bois. Porque não é boa terra. suave como a lã. com a estrela da manhã. trazer suas vinhas para cá. Sei. Minha filha também. Não fala nunca. Tenho um espinho no coração: é aquela hortazinha encravada no meio das minhas terras. Foi preciso castigá-la e até chorar sobre ela para que nos desse algo que prestasse. Uma com taças e a outra com doces. E o que é seu é dele.
É melhor não pensar nisso! Cada minuto. Aceita alguma coisa?. e os convidados vão nos carros e nas montarias que trouxerem. Os noivos e nós vamos de coche até a igreja. Dia em que ela faz vinte e dois anos justos Vinte e dois anos! A idade do meu filho mais velho. É? Que olhar bonito! Sabe o que é casar. Diga a ela que já pode vir! (Para a Mãe). isso sim! Que vivam! Vou cumprir com a minha parte. Se dei o sim é porque eu quis. quinta-feira. Obrigada. Um homem. que é muito longe. pra todo o resto. É igualzinha à minha mulher. sim. Então. para você. uns filhos e uma parede de duas varas de largura. E é preciso mais? Não. Vivo. senhora Não precisa ficar tão séria.)(Aparece a Noiva. Tem as mãos caídas em atitude modesta e a cabeça baixa. Estou contente. Afinal de contas.) Olhe para mim. valente e macho como era. Vai ser urna grande alegria para mim. Que vivam todos.MÃE (ao Filho) NOIVO PAI MÃE Pra quando quer as bodas? Quintafeira que vem. São presentes. (Seguralhe o queixo. De acordo. ela vai ser sua mãe. Trago a mão apertada no peito. Naturalmente. criatura? Sei. se estivesse vivo. se os homens não tivessem inventado as navalhas. se gostar dela. Está contente? Sim.PAI MÃE PAI NOIVO PAI MÃE PAI (Entra a Criada. Certo? Certo.) MÃE NOIVA PAI NOIVA MÃE PAI MÃE NOIVA (séria) MÃE NOIVO MÃE NOIVA MÃE NOIVA PAI Venha cá.
Todos estão de pé. Dizem que são todinhas de renda. Ah. o que é que você tem? É pena de deixar sua vida de rainha? Não pense em coisas tristes. Vamos.MÃE NOIVO MÃE PAI NOIVA NOIVO NOIVA NOIVO NOIVA NOIVO MÃE PAI CRIADA Eu não quero. Adeus. Adeus.) Amanhã eu venho. (Pega caixa. Tem algum motivo? Nenhum. não vai mais sentir. em tudo? De acordo. deixa eu ver! Não quero.) Vinho? Ele não bebe. A que horas? Às cinco Fico esperando Quando saio de perto de você sinto um abandono tão grande que me dá um nó na garganta. Quando for meu marido. Vamos! Já disse que não! Meu Deus do céu! Está bem. Até parece que você não tem vontade de casar! Menina. O sol não espera. Melhor! (Pausa. com raiva) Ah! CRIADA NOIVA (agarrando-a pelos pulsos) Larga! CRIADA NOIVA . (Pega um doce. menina. (Saem. minha filha. (Ao Noivo) E você? Aceito.PAI (ao Noivo) NOIVO (para a Noiva)MÃE (À criada)(A Mãe beija a Noiva e vão saindo em silêncio) MÃE (da porta) PAI CRIADA CRIADA NOIVA CRIADA NOIVA CRIADA NOIVA (áspera)NOIVA (mordendo a mão. (Ao Pai) De acordo.) Ai. Isso eu garanto. Vão com Deus. mulher! Larga. já disse. Só as meias.) Acompanho vocês. Vamos ver os presentes. A Noiva pega outro. mulher. filha (A Noiva responde com a mão.) Estou louca para ver os presentes! Pára com isso.
Já não fiz trabalhos de homem? Tomara que fosse mesmo! Não diga isso! Já mandei ficar quieta! Vamos mudar de assunto. Não.) CRIADA (à janela) Vem ver. Cala a boca! Maldita seja essa tua língua!(A luz vai sumindo de cena. Mentira! Mentira! Pra que ele viria aqui? Veio.)NOIVA (forte) (Ouve-se o galopar de um cavalo. Não podia ser meu noivo? De vez em quando ele vem a essa hora. Você ouviu um cavalo. Não era seu noivo. Ficou parado na sua janela. Achei muito esquisito.. Tinha cavaleiro Como é que você sabe? Porque eu vi.CRIADA NOIVA CRIADA NOIVA CRIA DA NOIVA CRIADA NOIVA CRIA DA NOIVA CRIADA NOIVA CRIADA NOIVA CRIADA NOIVA CRIADA CRIADA CRIADA Você tem mais força que um homem. Devia ser um cavalo desgarrado. Não era ele? NOIVA Era!CAI O PANO RAPIDAMENTE. E viu quem era? Vi. ontem à noite? A que horas? Às três. Quem era? Era Leonardo. Pausa longa.
Tão alegre! Mas se consumiu aqui. (Experimenta um. A Criada. Esta terra é abafada até de madrugada. e sentir que ele esta bem ao seu lado. Mas que é bem gostoso.)NOIVA (forte) CRIADA NOIVA CRIADA NOIVA CRIADA . É noite. Não se deve falar nisso. de tanto calor. Bom. (A Noiva olha-se no espelho. como se fosse uma peninha de rouxinol. CRIADA NOIVA CRIADA Vou acabar esse penteado aqui fora. Não dá pra ficar lá dentro.(A Noiva senta-se em uma cadeira baixa e olha se num espelhinho de mão. ramo de flores de laranjeira. é! Ou bem amargo. Quer ficar quieta? Mas menina! As bodas.NOIVA (séria) CRIADA (penteando-a)Você é que é feliz: vai abraçar um homem. Quero que fique caída na testa. O destino. por acaso? São os ramos de flores? Não. e sentir o peso dele! NOIVA CRIADA Cala a boca!. Vou pôr as flores de laranjeira daqui até aqui. com a respiração roçando os seus ombros. Como nos consumimos todas. Ela era assim. De terra rica. um homem e uma mulher. São os doces. E o melhor vai ser quando acordar.ATO II QUADRO 1Pátio da casa da Noiva. Sai fogo dessas paredes. pra que a grinalda apareça mais no penteado. e nada mais. isso é outra coisa. Não puxa tanto! É pra ajeitar melhor esta onda. o que são? As bodas são isso. A Noiva entra vestida com anáguas brancas pregueadas) cheias de entremeios e bicos de renda. e beijar. Ai.) Penteia mais.) Você tá tão linda! Ah! (Beija-a carinhosamente. É uma cama brilhando. com a mesma roupa. A Criada a penteia) NOIVA CRIADA NOIVA CRIADA NOIVA CRIADA Minha mãe era de um lugar onde havia muitas árvores. e um corpete branco. com os braços nus.
Quem nunca sentiu? Você gosta do seu noivo.) CRIADA NOIVA CRIADA Que foi. Ainda é tempo de se arrepender (Levanta se) São nuvens. Agora vou pôr a grinalda. Que é preciso dar. (A Noivo joga-o fora. (Animada) Me dá aqui esse ramo. surpresa. Um mal-estar que vem de dentro. Devem ser os primeiros convidados.) NOIVA CRIADA LEONARDO Vai abrir.).) Despertem a noiva na manhã de suas bodas. Daqui até a igreja. que eu sei. (Pega o ramo. agora? Me deixa Não é hora de ficar triste. jogando a grinalda no chão? Levanta essa cara! Não quer se casar? É isso? Então fala. abatida..NOIVA CRIADA NOIVA CRIADA NOIVA CRIADA NOIVA CRIADA CRIADA NOIVA CRIADA NOIVA (senta-se)CRIADA (beija-a entusiasmada. sim. (Ouvem-se pancadas fortes na porta.seu redor) Que desperte Com o ramo verde do loureiro-em-flor Que desperte pelo tronco e pelos ramos dos loureiros.) Você? Eu mesmo. (Sai.) Menina! Quer chamar desgraça. Que os rios do mundo tragam a coroa NOIVA (sorrindo) Vamos. e dança ao. olha-o e deixa cair a cabeça. Já me comprometi. Gosto. pelo menos. (A Criada abre. mas pelo caminho é o dobro. Gosta. Bom dia. Mas este é um passo muito grande. Depressa. (A Noiva levanta-se e a Criada se entusiasmo ao vê-la. é longe? Cinco léguas pelo riacho. que já devem estar chegando Já devem ter saído há duas horas.NOIVA (olha-se no espelho) Dá aqui.
E a tua mulher? Vim a cavalo. Isso é que dói. Despertem a noiva / Na manhã de suas bodas! Despertem a noiva. e sabe que não tenho intenção alguma. A noiva! Deve estar contente! Qual? Seu filho. E o noivo? Já trouxe as flores de laranjeira que ela deve pôr no peito? NOIVA (aparecendo. Vai acabar matando o animal de tanta correria.CRIADA (mudando de assunto) E o menino?LEONARDO (recordando. Trouxe. / Na manhã de suas bodas. São os convidados. Se morrer. Mas ainda estão longe.)LEONARDO (levantando-se. Vozes cantando.) A noiva vai usar urna grinalda bem grande. Que é que tem? (Séria) Por que pergunta se trouxeram as flores de laranjeira? É com intenção? Nenhuma. ainda de anáguas e grinalda na cabeça) CRIADA (forte) NOIVA LEONARDO Não saia desse jeito. E a noiva? Vou vesti-Ia agora mesmo. Mas dois bois e uma choça é quase nada. Me diz: quem fui eu pra você? Refresca essa memória. Uma pequena. meio sonolento) Ah!(Pausa. morreu. Ninguém se levantou ainda. Vem com a mãe? Não.. muito longe. Sente-se.CRIADA LEONARDO CRIADA LEONARDO CRIADA LEONARDO CRIADA LEONARDO CRIADA LEONARDO CRIADA LEONARDO CRIADA LEONARDO LEONARDO CRIADA CRIADA LEONARDO VOZES LEONARDO CRIADA O primeiro! Não me convidaram? É. Não devia ser tão grande. Então eu vim. Ela deve estar chegando pelo caminho. Não encontrou ninguém? Passei por eles a cavalo. Que intenção podia ter? (Aproximando-se) Você me conhece bem. assim ficaria melhor.
não se arrancam maisNOIVA LEONARDO NOIVA CRIADA NOIVA LEONARDO LEON ARDO CRIADA (com raiva) Não.NOIVA LEONARDO NOIVA LEONARDO O que veio fazer aqui? Ver o seu casamento.NOIVALEONARDO NOIVA LEONARDO NOIVA (tremendo) Não posso ouvir você. A minha seria mais forte Parem com isso! Você não tem nada que falar do passado! (A Criada olha para a porta. ouvindo o que ele diz vendo o seu jeito de andar. mas vou atrás. De que me serviu ter orgulho ? De nada! Só serviu pra atear meu fogo. Eu não devia nem falar com ele. que brilha tanto. Podem me matar. Não é verdade! Quando as coisas chegam ao fundo. algumas vezes cospe. mas não podem me cuspir. Não posso ouvir tua voz É como se eu bebesse uma garrafa de anis e adormecesse numa colcha de rosas. sei que o meu peito não agüenta mais. se quiserem. Não tenha medo. e espera tua mulher lá na porta. Eu também vi o seu! Amarrado por você. O orgulho não vai te adiantar nada. inquieta. Não se aproxime! Calar e queimar por dentro é o maior castigo que a gente pode sem impor. feito pelas tuas mãos. E sei que estou louca. Será que você e eu não podemos falar? Depois do meu casamento. Mentira! Não quero falar. não podem falar. tenho pensado noite dia de quem era a culpa e cada vez que penso vem uma culpa nova. que engole a outra mas sempre há culpa! Um homem com seu cavalo sabe muito e pode muito pra abusar de uma moça metida num deserto. porque sou homem de sangue e não quero que todos estes montes escutem a minha voz. E fico aqui parada. Mas a minha alma incendeia porque vem me ver. Mas eu tenho o orgulho.. Por isso me caso E vou viver encerrada com meu marido. Porque você acha que o tempo cura e que as parede tampam e não é verdade. a quem tenho que amar acima de tudo. E me arrasta e sei que me afogo.) Tem razão. (Aproxima-se). os seus braços. Vai embora. E o ouro. CRIADA (agarrando Leonardo pela lapela) Você tem que ir embora já! LEONARDO NOIVA É a última vez que vou falar com ela.
tão branca noiva.LEONARDONão ficava tranqüilo enquanto não te dissesse essas coisas. Deixa o teu sombreiro lá nos olivais!Desperte a noiva!A noiva já pôs sua branca coroa E o noivo a enfeita com laços de ouro. Ai pastora. senhora. Vai nascendo a lua! Ai. a seus pés nascem ramos de cravinas. Casa você agora! E casa.Quando caminha.) Desperte a noivana manhã de suas bodas(Começa a clarear o dia.PAI (entrando) CORO. pelo tesouro! O noivo parece a flor do ouro. donzela. rapaz. e nas sacadas. mil coroas. mesmo!CRIADA (a Leonardo) NOIVA CRIADA LEONARDO CORO VOZES (cantando mais perto) Desperte a noiva / Na manhã de suas bodas Desperte a noiva! (Sai correndo para o quarto.Despertem a noiva! Que desperte com o ramo verde do loureiro em florQue desperte pelos troncos e os ramos dos loureiros! Que desperte.) Já estão aqui (A Leonardo) Nunca mais chegue perto dela Não se preocupe. A mulher de um capitão Vai levar consigo o noivo Que já vem com seu gado. Eu me casei. CRADA A noiva.Vestida de neve. Entra a Primeira Moça. (Sai pela esquerda. hoje. amanhã. cabelos compridos.)Que rodem as rondas.Botas de verniz e prata Ramos de jasmins na testa.
que venha! Que toquem e repiquem as campanas! Que venha aqui. PRIMEiRA MOÇA (pondo-lhe uma flor na orelha) SEGUNDA MOÇA Brisas de sossego emanam seus olhos! (O Noivo vai para o lado da Noiva. dá gosto ver você. na testa traz a grinalda de flores de laranjeira As guitarras tocam. menina de sorte! Que desperte a noiva! Ai minha bela!A boda te chama pela janela! Que venha essa noiva! Que venha. As moças beijam a noiva.) TERCEIRA MOÇA NOIVA (rindo) Que perfume você pôs no cabelo? Nenhum. Sobre o penteado.) NOIVA NOIVO Por que pós esses sapatos? São mais alegres do que os pretos. como quem cumpre um dever) Na manhã do casamento A grinalda te poremos.MULHER DE LEONARDO (entrando e beijando a Noiva) Salve! (Falam todos em algazarra. as bodas se elevam no ar! (Aparece a Noiva. mas não perdôo. Com a grinalda. Vem com um vestido preto à moda de mil e novecentos.Ai. que saia já! Como um touro. Mas esses também vieram? São da família. com anquinhas e cauda longa rodeada de gaze plissada e renda duras. Hoje é dia de perdoar! Eu calo. MULHER MÃE PAI MÃE NOIVO Para que o campo se alegre nas águas do teu cabelo. CRIADA SEGUNDA MOÇA (olhando o vestido) Que fazenda mais linda! PRIMEIRO MOÇO E aqui está o noivo! NOIVO Salve! O noivo parece a flor do ouro.) LEONARDO (entrando..
Já não agüento mais! E eu também não! Por que me olha assim? Você tem um espinho em cada olho. De carro? De quê. Vamos logo! Peguem as montarias e os carros. branca menina! (Saem. Eu tenho forca nos braços. Ouvem -se guitarras. Pra onde? Pra igreja. E você há de me abraçar tão forte que mesmo que ouvisse o chamado de minha mãe. / recorda-te que saís como uma estrela. E eu não sou mulher de ir sem marido a um casamento. Vou te abraçar quarenta anos seguidos. Ao saíres de casa. então? Não sou homem de ficar andando em carros.NOIVA NOIVO NOIVA NOIVO NOIVA Vamos logo pra a igreja! Está com pressa? Estou.) CRIADA (chorando) PRIMEIRA MOÇA (Vão saindo) SEGUNDA MOÇA Já sais de tua casa.NOIVONOIVA (dramática. eu não poderia me desgarrar. Mas não a cavalo. TERCEIRA MOÇA Ai. É assim que eu quero! E só ver os seus olhos mais nada. Quero ser sua mulher e ficar sozinha com você e só ouvir tua voz. Comigo.) MULHER LEONARDO MULHER LEONARDO MULHER LEONARDO MULHER LEONARDO MULHER LEONARDO Vamos. branca donzela. que o sol já saiu. Limpa de corpo e roupa. Leonardo e sua mulher ficam sós. Vamos! . / ao saíres de casa para tuas bodas. castanholas e pandeiros. agarrando-lhe o braço) Sempre! PAI MÃE (Começam a sair. que está morta. E tomem cuidado! Não vá nos acontecer algum desgraça. mais nenhuma. / vais para a igreja! CRIADA CRIADA A brisa espalha flores / pelas areias! Ar escuro enfeita tua mantilha.
LENTAMENTE. Mas penso.(Vozes fora. recorda-te que sais como uma estrela.) VOZES MULHER (chorando) Recorda-te que sais como uma estrela! Foi assim que saí da minha casa: o campo inteiro me cabia na boca. Só sei de uma coisa: me jogaram fora. (Pausa. E outro que vem.CAI O PANO. branca donzela. Vamos indo. Mas tenho um filho. O mesmo destino de minha mãe.Não sei o que está acontecendo. e não quero pensar. Ao saíres de casa.) Ao saíres de casa para a igreja recorda-te que sais como uma estrela. Mas daqui eu não me movo.) Vai andando! (Saem.MULHER. LEONARDO (levantando-se) Vamos. MULHER LEONARDO VOZES Mas comigo! É.
girava a roda e a água passava. Esse daí tá procurando desgraça. A mulher estava morta de medo. Porque chegam as bodas que se apartem as ramas e que a lua adorne Tua branca varanda. girava a roda e a água passava. MÃE (entrando) PAI CRIADA PAI MÃE Até que enfim! Somos os primeiros? Não. (Em voz alta) Prepare o vinho! Galante cigana da terra olha como a água passa. Cores branco-acinzentadas e azul-frias. Já que chegam tuas bodas deixa então que brilhe a água. Porque o noivo é como um pombo.. E que sangue podia ter? O mesmo da família toda gentalha de faca pronta e de sorriso falso.QUADRO IIExterior da cueva da noiva. cantavam os noivos e a água passava. Pois chegam tuas bodas Recolha tua saia e sob as asas do noivo nunca mais saias de casa. Correram como o diabo. (Em voz alta) Ponha as toalhas! Cantavam. com o peito todo de brasa e o campo espera o rumor do sangue a se derramar. Há pouco chegou Leonardo com a mulher. CRIADA (arrumando copos e bandejas em uma mesa) Girava. Girava. Já que chegam as bodas Que rebrilhe a geada e se encham de mel as amêndoas amargas. Não tem bom sangue.
Obrigada! Vai haver festa? Pouca coisa. Olho pra cada um deles e só vejo a mão com que mataram o que era meu. Tenho que desabafar. (Tira o manto. Eu acho que vão ter de tudo. Por isso é que tão terrível ver o sangue da gente derramado pelo chão. E esses braços têm que ser dos donos.PAI CRIADA MÃE Não ligue pra ele. sim. com o cascalho que aparece não se sabe de onde. que tenho de castigar e esconder entre os mantos. Esta terra precisa de braços que não sejam pagos. Que tivessem logo dois ou três homens. Mas depois vai ter companhia. que castiguem e que dominem. O pessoal não pode demorar. Demora muito. Pra lutar com as ervas ruins. por não ter gritado tudo o que meu peito precisa. Agora você tem que esperar. que usar armas. Está me vendo assim? Não pareço louca? Louca. Mas não é assim. com os cactos. E hoje mais do que nunca. Essa é a minha ilusão: os netos. O pai dele podia ter tido muitos filhos comigo.) Hoje não é dia de lembrar essas coisas. É de boa semente. que façam brotar as sementes. É preciso muitos filhos. Porque vou ficar só. E ao menos uma filha! Os varões são do vento! Têm por força. Já estão chegando!PAI MÃE PAI MÃE (Sentam-se. As meninas nunca saem à rua. Eu queria é que isso fosse pra amanhã. Meu filho vai cobrir bem a moça. Trago no peito um grito sempre de pé. Prepare as bandejas de trigo! Já estão prontas. Eu quero que tenham muitos. Espero que sim. na minha casa.) PAI MÃE PAI (alegre) MÃE PAI MÃE PAI MÃE PAI CRIADA MÃE LEONARDO PAI CRIADA MULHER (entrando com Leonardo) Que sejam felizes!. Como é que não vai ligar? Isso me dói até a ponta das veias. Minha filha tem ancas largas e seu filho é forte.
Mas não devem pesar.. Duram pra sempre.)(Leonardo entra e senta-se. Em nada. Tantos primos meus que eu já nem conhecia mais. Que mudança pra esta casa! (Sai. de braços dados. Você tem que ser leve como uma pomba. Entram os noivos. São todas de cera. As bênçãos pesam muito. Mas gosto de ver tudo isso. Leonardo sai. Minha casa está vazia Mas devia ficar! Olhe só o baile que arranjaram! Danças lá da beira do mar.) PRIMEIRA MOÇA Viemos pra tirar os seus alfinetes. Foi brilhante! Vieram famílias inteiras. São os primos do meu marido. A senhora fica aqui esta noite? Não.) Gostou das flores de laranjeira? NOIVA (sombria) MÃE (para a Noiva) No que está pensando?(Ouve-se guitarras. NOIVA (ao noivo) MULHER NOIVO Volto já.) NOIVO PAI MÃE NOIVO MÃE NOIVO NOIVA MÃE NOIVA MÃE (forte) NOIVA MÃE NOIVA PAI MÃE PAI Nunca se viu tanta gente numa boda. Gostaria que cobrissem todo o seu vestido. em atitude rígida. Sua Mulher atrás dele. Seu pai semeou muito e você está colhendo agora. Não fazem falta. Nunca.(Leonardo sai pela direita.)NOIVO (para a Noiva) NOIVO NOIVA NOIVA (olhando-o fixamente) Gostei.(Vão entrando convidados em grupos alegres. Gente que não saía de casa. Duros como pedras pra dançar. Como chumbo. Espero que seja feliz com minha prima! Tenho certeza que sim.
Mas tem o mesmo brilho nos olhos. Não é homem tranqüilo.) NOIVO (alegre) CRIADA Não dá pra entender. E do jeito que vamos Teu marido é bom trabalhador. Vou lá ver! (Sai. como vocês não vão dormir mesmo.NOIVO CRIADA NOIVO CRIADA NOIVO (sorrindo) CRIADA (com malícia) Se não quiser comer. Não. sem sair nunca e construindo a casa. Ponha três dúzias. mas gosta de variar demais. Ir de uma coisa pra outra. Não temos dinheiro. Não tomam nada? (Para a mulher) Vou embrulhar umas roscas de vinho pra tua mãe. Bem que eu queria viver longe assim! E por que vocês não compram terras? Às do monte são baratas e lá os filhos se criam melhor. Ah. Mas hoje é um dia especial Não vi. que ela gosta milito. Deve estar como pessoal. Se precisarem Não como à meia-noite. olhe: lá pra meia noite.) Aquilo lá está tão lindo! E você. vi as bodas de seu avó.MULHER (para a Criada) E Leonardo?(Passam. não dança? Ninguém vem me tirar. vou deixar umas fatias de presunto e uns copos grandes de vinho velho. não. aqui. É. Parecia o casamento de uma montanha! Eu sou mais baixo que ele. E a menina? Tirando os alfinetes pra dar às moças. ao fundo.MULHER NOIVO MULHER NOIVO MULHER CRIADA NOIVO MULHER NOIVO CRIADA NOIVO MULHER CRIADA NOIVO CRIADA Os dois. Na despensa. Mas agora vai requebrar pro meu lado. duas moças: Durante todo este ato o fundo será um animado cruzar de figuras. As velhas salientes como você dançam melhor do que as moças. a noiva come (Sai) PRIMEIRO MOÇO (entrando) Vem beber conosco. Meia dúzia só chega. embaixo. menino? Que família! Machos de verdade! Quando era menina.
As duas saem correndo.) PRIMEIRA MOÇA NOIVA A quem você deu o primeiro alfinete. Tem tanta vontade assim? Muita.PRIMEIRA MOÇA Ficou aborrecida? NOIVA NOIVA NOIVA NOIVA SEGUNDA MOÇAPRIMEIRA MOÇA Só que uma se casa antes da outra.) Eu não sei. São passos que custam muito. abraça a Noiva por trás. Pelo lado oposto entram duas moças correndo ao seu encontro. não é? Os dois.) Tem medo de quê? Ah! É você? E quem podia ser? Teu pai ou eu. não sei. SEGUNDA MOÇA. vem! Vamos. Tenho muito o que pensar. NOIVA (inquieta e com uma grande luta interior. Pra quê? É que. Chega o Noivo e. Ouve-se grande algazarra.NOIVOEstou esperando a noiva.) NOIVA (vendo Leonardo) E esses momentos são agitados PRIMEIRA MOÇA NOIVA Nós ainda não sabemos corno é Mas vão saber. na frente do altar.NOIVA (interrompendo-a) Não me importa. Vai ficar com ela a madrugada toda! Que é a melhor parte Só um pouco. De quê? Mas os dois alfinetes servem pra casar. (Leonardo atravessa o fundo. Quando chegar sua hora.SEGUNDO MOÇO PRIMEIRO MOÇO SEGUNDO MOÇO NOIVO (Sai. Me desculpem. Foi pra mim. SEGUNDA MOÇA (envergonhada) PRIMEIRA MOÇANOIVA (com grande sobressalto) Me larga! NOIVO NOIVA NOIVO . muito devagar. (Abraçando a Segunda Moça. Entra a Noiva..PRIMEIRA MOÇA Deu pra mim aqui mesmo. a mim ou a ela? Não me lembro. PRIMEIRA MOÇA SEGUNDA MOÇA É que eu queria que você Desculpa.
inquieta Entra a Criada. Meu marido passou por aqui? Não. Que é que você tem? Parece assustada! Não tenho nada. porque agora ela é sua. Mas não fica assim de noite! De noite vou estar melhor. É que não o encontro e a cavalo também no está na cocheira. (Beija-a. Não estão contentes com tantos cumprimentos? Estou é querendo que isso acabe logo. E dai? Já é sagrado. Diga. que não olha para os noivos.NOIVA NOIVO É mesmo! Só que teu pai te abraçaria mais de leve. Como quiser.NOIVA (da porta) .) NOIVA (angustiada) Não. Deve ter ido galopar por aí. NOIVO NOIVA NOIVO Fico lá com você. NOIVA (secamente) Pára com isso! NOIVO NOIVA NOIVO NOIVA NOIVO NOIVA MULHER NOIVO MULHER NOIVO MULHER Por quê? (Deixa-a. (Sai correndo. Que é isto.) É queessa gente toda Podem ver. A noiva está um pouco cansada.)NOIVO (abraçando-a) Vamos dançar um instante.)NOIVO (alegre) CRIADA NOIVO CRIADA NOIVA CRIADA (A Mulher sai. Claro. Nunca! Com essa gente toda aqui? Que iriam dizer? Me deixa descansar um momento. menina? É como se tivesse levado uma pancada na testa! Uma noiva destes montes tem que ser forte.)(Entra a Mulher de Leonardo. É sim. mas me deixa.NOIVA (sombria)NOIVO (abraça-a fortemente! de modo um pouco brusco) Porque é velho. Queria me deitar um pouco na cama. (Ao Noivo) Você e o único pode curá-la.)(Torna a atravessar o fundo a Criada. Não vá embora. Não quero interromper.
Por onde você andava? Nessa barulheira toda. Minha cabeça está cheia de coisas e de homens e de lutas.) PRIMEIRA MOÇA. faça-lhe uma carícia que machuque um pouco. Mas lutas que já não são lutas. Enquanto se vive. e se ficar arisca. Foi assim que aprendi com seu pai.)(Ouvem-se guitarras e algazarra. (Entra a Criada e vai para o quarto da Noiva.) É a roçada da terra virgem. Eu vou ver! (Sai. mas ele se foi e então sou eu que tenho que te ensinar essas valentias. PAI (entrando) NOIVO PAI NOIVO Aqui não está! Como não? Deve ter subido pra a varanda. mas sinta que você é o macho. eu te obedeço. E minha filha? Está lá dentro. Você vai embora? Vou. E tua mulher? Descansando um pouco. procure ser carinhoso.) MÃE NOIVO MÃE NOIVO MÃE NOIVO MÃE É isso que eu quero! (Sai).NOIVO MÃE MÃE NOIVO MÃE NOIVO MÃE (A Criada entro rapidamente. não. pra dançarmos a quadrilha. PRIMEIRO MOÇO (ao Noivo) Você é que vai marcar. Está contente? Estou. Farei sempre o que você mandar. Sozinha. aquele que manda. Mau dia para as noivas! Mau dia? O único bom. a plantação de árvores novas.)NOIVO PAI (Saindo) NOIVO PRIMEIRA MOÇA Que venham os noivos. Filho. Com sua mulher. Sozinha. um abraço forte. Pra mim foi como uma herança. Que ela não fique magoada. o patrão. desaparece correndo pelo fundo. se luta. uma mordida e depois um beijo suave. Como sempre.) Já começaram! (Sai.NOIVO (Aparece a Mãe. Tenho que ficar na minha casa.
não! Mas já é mulher do meu filho.) A minha família e a tua. (O povo separa-se em dois grupos.) PAI (dramático) CRIADA CRIADA PAI (trágico) MÃE (ao Pai) MULHER PAI MÃE PAI (num repente) NOIVO (entrando) Nada. onde está? Mas o que é isso? Onde está tua filha? Fugiram! Fugiram! Ela e Leonardo. Mas não está no baile? No baile. Dois bandos! Agora aqui há dois bandos (Entram todos. Saiam todos daqui. como um relâmpago. Não? E onde será que foi? Ninguém sabe. as limpas. não! Tua filha. Atrás deles! Atrás!CRIADA (entrando) E a menina. Iam abraçados.NOIVO (entrando) MÃE (inquieta) PAI MÃE (séria) Aqui não está. sim! Fruto de mãe devassa e ele. que eu dou tudo o que tenho: meus olhos e até minha língua Aqui tem um. quem tem um cavalo. Não é verdade! Minha filha. Vamos ajudar meu filho. (Entra a Mulher de Leonardo)NOIVO (saindo) MÃE VOZ MÃE (ao Filho) PAI MÃE CAI O PANO. e eu atrás! (Sai o Filho com dois moços. onde está? (Sai o Noivo. Essa gente mata depressa.) Fora daqui! Por todos os caminhos! Chegou outra vez a hora do sangue! Dois bandos. Ele. não. corra. Anda. Limpem o pó dos sapatos. Tem muita gente lá! Vai ver! Mas já vi! Então. essa. Você com o teu. depressa. Deve ter se atirado no poço! Na água se atiram as honradas. Mas já é a mulher do meu filho! Vamos atrás deles! Quem tem um cavalo? Quem tem um cavalo já. e bem.) Não pode ser ela. Mas vá. Atrás deles! Não. Não vá. Entram três convidados. e eu com o meu. sim. Em lugar nenhum. No cavalo. ele também.
. Estavam se enganando um ao outro e no fim o sangue foi mais forte. 2 LENH. 1 LENH. Há muitas nuvens e pode ser que a lua não venha. 1 LENH. dois riachos secos. 1 LENH. Não. a noite de emboscada. para ela. O sangue! É preciso seguir o caminho do sangue. 3 LENH. fizeram bem em fugir. Silêncio! Que é? Escutou alguma coisa? Ouço os gritos. 1 LENH. Estão atrás dele e vão matá-los. 3 LENH. 3 LENH. Mas aí já terão misturado os seus sangues e serão dois cântaros vazios. 2 LENH. Todos podem viver nele. 2 LENH. 2 LENH. 1 LENH. Mas procuram por toda parte. Shhh! Que é? Parece que vêm chegando por todos os caminhos ao mesmo tempo Quando a lua sair vão ver os dois. 1 LENH. 2 E acharam os dois? Não. O mundo é grande. devem estar se amando. Mas sangue que vê a luz é tragado pela terra. 3 LENH. 3 LENH. as rãs. E daí? Melhor ser morto e sangrado que viver com sangue podre. 2 LENH. Agora. O corpo dela era para ele. Mas vão matá-los. É preciso seguir a inclinação. 1 LENH. 3 LENH. 3 LENH. Mas não se escuta o cavalo. 2 LENH.ATO IIIQuadro ILENH. 1 LENH. Logo vão encontrar. 2 LENH. 1 LENH. 3 LENH. o corpo dele. 1 LENH. Deviam deixá-los em paz.
lua insana! Deixa ao amor a escura rama. lua tola! Lua de tão verdes folhas! Prata no rosto da noiva. triste lua! Deixa ao amor a rama escura.LENH. Ai. 1 LENH. 2 LUACisne redondo no rio. Ai.LENH. Porém carrega-me a neve sobre seu dorso de jade e me congela a dura e fria água dos poços estanques. A lua já vem vindo! Ai. Como uma estrela furiosa. Não haja sombra ou emboscada! Não poderão escapar!. Que sendo forjada de chumbo quisera ser ardor de sangue. Ai. A cara cor de cinza. Eu o vi sair. Sua raça de mortos no meio da rua. Pois nesta noite terão Minhas faces rubro sangue E os juncos enlaçados Nas gigantes patas do ar. marcada pela sina de sua raça. Com lua ou sem lua. Deixai-me entrar! Venho fria por paredes e cristais! Abri telhados e peitos Onde possa acalentar-me Tenho frio! Minhas cinzas dos mais sonolentos metais buscam a crista do fogo pelos montes e cidades. lua que sais! Lua das folhagens grandes Encha de jasmins o sangue. 3O noivo os encontrará. Quem se oculta? Quem soluça Nas profundezas dos vales? A lua deixa uma faca Abandonada nos ares. Olho das catedrais. Aurora fingida nas folhas Sou! E não me escapam mais.
Daqui não passam. que depois as navalhas já sabem o caminho. Para que tenham esta noite Doce sangue minhas faces E o são juncos enlaçados Nas gigantes patas do ar. corpos pesados de colo ferido. Farei brilhar no cavalo uma febre de diamante.MENDIGAPois eu quero entrar em um peito Onde possa acalentar-me! Um coração para mim! Bem quente! Bem quente! Que se derrame Pelos montes de meu peito. o desgarrado vôo de seus gritos. Meus raios Hão de entrar por toda parte E haja nos troncos escuros Um rumor de claridade.Vou clarear as pedras. Eu ouvi o galope agora mesmo. ai. Deixai-me entrar. O ar vem vindo como um punhal de duplo fio. deixai-me! Não quero sombras. A lua vai embora e eles vêm vindo. estendidos pela alcova. Estou cansada. Quer alguma coisa? Nada. Depressa! Muita luz! Acho que foram por outro caminho. E que seu sangue escorra murmurando entre meus dedos. Vai ser aqui. Não desperte um só pássaro e que a brisa.. fuja com eles pelas negras copas. pelo vale e o outro. recolhendo em seu manto esses gemidos. Meus vales de cinza despertam na ânsia desta fonte de jorro estremecido. Não deixe que passem do riacho. Podia ser outro cavalo. Mas que morram bem devagar. Essa lua! Essa lua! Estão chegando.LUA MENDIGA LUA MENDIGA LUA MENDIGA LUA MENDIGA RAPAZ NOIVO RAPAZ Entram o Noivo e um rapaz. e logo. Silêncio! Vêm vindo! (Sai). Quem se oculta? Já pra fora! Não poderão ir adiante. com o rumor dos troncos. Ilumine as jaquetas e separe os botões. pelo rio. Caixões se abrem e seus brancos fios esperam. Uns. ou os enterre pelo branco limo. O rumor do rio apagará.
em vez de andar sobre a planta dos pés? Perguntei se viu os dois! Passaram por aqui? Não está ouvindo? Estão descendo a colina. LEONARDO NOIVA LEONARDO NOIVA Quieta! Daqui por diante eu vou só. como seja Tira do meu colo honrado o metal dessa cadeiaLENHADORES . morte insana! Deixa ao amor a escura rama. Isso é uma caçada. De muito longe Viu um homem e uma mulher montados num cavalo? Espere! Que ombros largos por que não prefere ficar deitado neles. Ai. Saem. E tem tanta força que é capaz de arrancar esta árvore pela raiz. Ai! O que você quer? Tenho frio? Pra onde vai? Pra longe E de onde vem? Dali. Aparecem Leonardo e a Noiva.NOIVOEscuta: só existe um cavalo no mundo. com as mãos. morte que sais! Morte das folhagens grandes Não abras o jorro de sangue! Ai. morte tola! Morte de tão secas folhas! Não cubras de flores as bodas! Ai. Não me espere! Fica quieta! Com os dentes. Vamos por ali!RAPAZ NOIVO O rapaz sai. e é este! Está vendo este braço? Pois não é o meu braço é o braço do meu irmão e do meu pai e de toda a minha família que está morta. MENDIGA NOIVO MENDIGA NOIVO MENDIGA NOIVO MENDIGA NOIVO MENDIGA NOIVO MENDIGA NOIVO MENDIGA Ai. triste morte! Deixa ao amor a rama verde. O Noivo tropeça na mendiga. A maior de todas! Sinto os dentes de todos os meus cravados aqui.
que fogo Me sobe pela cabeça. Ai. Deixei um homem honradoLEONARDONOIVA. Com alfinetes de prata Meu sangue se fez água negra.E me deixa enclausurada lá no meu canto de terra. Mas eu montava a cavalo E ele ia à tua janela. que lamento. Juro que não tenho culpa Que a culpa é toda da terra E do perfume que exalam Os teus seios e teus cabelos. Que vidros cravam minha língua presa! Bem que tentei te esquecer E pus um muro de pedra Entre tua casa e a minha. E os sonhos fizeram brotar Erva má em minha carne. que lamento. Ai. que fogo Me sobe pela cabeça. Te amo! Te amo! Vai embora! Que se te matar eu pudesse te faria uma mortalha Com franjas de violetas. E as esporas? Que mãos as me entregaram? As minhas mãos que são tuas Mas que ao te ver bem quiseram Quebrar os ramos azuis E os murmúrios de tuas veias. Só se for à força! À força? Mas quem desceu primeiro os degraus da escada? Fui eu que desci. Quieta! Porque nos seguem de perto e eu vou te levar comigo. Que vidros cravam minha língua presa! LEONARDO NOIVA LEONARDO NOIVA LEONARDO NOIVA LEONARDO NOIVA Já demos o passo. E se não quer me matar como à víbora pequena Põe em meus dedos de noiva O gatilho da escopeta. E quem pôs rédeas novas no cavalo? Eu mesma pus.
olhando o campo. Nua. Me leva de feira em feira. Os pássaros da manhã Pelas árvores se quebram Vamos a um recanto escuro Onde pra sempre eu te queira. Pra que todos me vejam Trazendo os lençóis das bodas Pelo ar como bandeiras. Dá um passo. Você também. A mesma chama pequena mata dois juncos unidos. Já não me importa essa gente Nem o veneno que deita. Isso é o que eu sou! Pois só de te olhar Me queima tua beleza. Onde eu possa te olhar. O castigo será teu. Dor de uma mulher honrada. Vem gente! Foge! É justo que aqui me esqueça.E toda sua descendência No meio de nossas bodas De grinalda em minha testa. Vamos! Pra onde me leva? Pra onde não possam chegar Esses homens que nos cercam. LEONARDO LEONARDONOIVA LEONARDO NOIVALEONARDONOIVA. Mas vou contigo aonde for. Tenta! Raios de lua fundem Minha cintura a teu ventre. Como se fosse uma cadela. Me deixa! Foge! Não há ninguém que te defenda. Fogo com fogo se abrasa. Mas não quero que seja. Abraça-a com força. Eu também te deixaria Se pensasse como eles. NOIVA E eu dormirei a teus pés Para guardar os teus sonhos. quieta.
Ao segundo grito aparece a Mendiga e fica de costas. LEONARDO NOIVA LEONARDO Vai na frente. e corta-se a música dos violinos. (Saem abraçados. O palco recebe uma forte luz azul Ouvem-se os dois violinos. Anda! Os dois juntos! Só nos separam se eu já estiver morto.)CAI O PANO. Abre o manto e fica no centro como um grande pássaro de asas imensas.NOIVA E eu. O pano desce em meio a uni silêncio absoluto. morta. Bruscamente ouvem-se dois longos gritos desgarrados. A Lua pára. Aparece a lua muito devagar.E que eu morra com os pés dentro dágua E espinhos em minha testa. Que chorem por mim as folhas Mulher perdida e donzela.
que queres fazer? Jasmim de vestido. Os montes azuis o deixam passar Corre. corre.ÚLTIMO QUADROSala branca com arcos e paredes grossas. Novelo. Que será que aconteceu pelos ramos da videira? Que será que aconteceu pelos galhos da oliveira? Que será que aconteceu Que ninguém voltou? O fio tropeça nas pedras e caí. de noite velar.MENINA 2MOÇA MENINA MOÇA MENINA MOÇA MENINA 3 MOÇA(Aparecem a Mulher e a Sogra de Leonardo. Dor de mirtal. novelo. chegando afinal para enterrar a faca e extrair o pão. Foste às bodas? Não. Dormir de manhã. E laço que aperte amargos lauréis. novelo. MENINA 1 Novelo. nascer pelas quatro morrer pelas dez. cristal de papel. Ser fio de lã corrente a teus pés. Chegam angustiadas). Eu também não fui. Duas moças vestidas de azul-escuro estão enovelando uma meada encarnada. que queres cantar? Feridas de cera. Já estão vindo. corre.
logo chegam. fora! Menina! Podia pedir teus olhos! Uma nuvem de pássaros me segue: não quer um? Quero ir embora! Veio pelo caminho do riacho? Venho de lá. filha. Nem morto nem vivo. A envelhecer e a chorar de porta fechada. São dois homens nas patas do cavalo. em tua casa. por entre as pedras grandes. mortos! Chega. caídos eu vi.) MENINA 4 MENDIGA (da porta) Um pedaço de pão.SOGRA (secamente) SOGRA (enérgica) Já pra casa! Valente e só. pra saber de tudo. E posso perguntar Eu os vi. De ninguém mais. novelo. sim. Noivo carmesim. velha! Chega!MOÇA (tímida)MENINA.(Saem.Teus filhos. Novelo. Sobre a cama desenha uma cruz de cinzas no lado que ele deitava. Vamos pregar as janelas E caiam chuvas e noites por sobre as ervas amargas MULHER SOGRA Que aconteceu? Não importa. que queres dizer? Amante sem fala. Quero voltar. Nunca. MENINA MENDIGA MENINA MOÇA MENDIGA MENINA MOÇA MENDIGA MENDIGA Fora! Por quê? Porque você geme. teus filhos são.MOÇA MULHER O que contam das bodas? Nada. enfim. (Deliciada) Mortos. Na margem calada. Vá botar um véu na cara. são dois rios quietos. Mortos no meio do esplendor da noite.
Tinha que ser.) MENINA MOÇA MENINA Por sobre a flor do ouro trazem os mortos do riacho. para a Vizinha) Tira as mãos do rosto. Aqui. Venha para minha casa. Os dois caíram. Estão vindo. areia suja. que vem chorando. Quieta! Temos dias terríveis pela frente. Eu não. Não quero que me vejam tão pobre. já disse. Posso dormir sem me aterrar com a espingarda ou a faca. Quero ficar aqui. Por sobre a flor do ouro. Areia suja. Tão moreno um tão moreno o outro Que rouxinol de sombra voa e geme por sobre a flor do ouro? (Sai.MENDIGASeus olhos.) MÃE VIZINHA MÃE Quieta! Não posso. da planta dos meus pés e serão mais ardentes que o sangue. Foi assim: nada mais. As moças vão saindo.) Meu filho devia me responder. Tão pobre. E tranqüila.VIZINHA MÃE VIZINHA MÃE . flores murchas. Aparecem a Mãe e a Vizinha. cabelos e saia. e seus dentes dois punhados de neve endurecida. Mas as minhas virão quando eu ficar sozinha. Vou fazer com meu sonho uma pomba fria de marfim que leve camélias de geadas para o cemitério. (A porta) Não há ninguém aqui? (Põe as mãos na testa. (Com raiva. cobertos por dois mantos. só voltou a noiva. Tuas lágrimas são lágrimas dos olhos. E estas quatro paredes! E estas quatro paredes! E estas quatro paredes! (Senta-se em transe. Por sobre a flor do ouro. O palco fica vazio. Uma mulher que não tem um filho sequer pra poder beijar.(Sai. nos ombros fortes de rapazes altos. (Entra uma mulher de negro que se dirige para a direita e ali se ajoelha. Vou ficar calma.) Não quero ver ninguém! A terra e eu. nada mais. Quieta. Meu pranto e eu. Não fique aqui. Já todos estão mortos. Mas meu filho já é um punhado de flores secas. As outras mães ficarão esperando na chuva pra verem os rostos de seus filhos. tingida de sangue.) Não seja tão cruel consigo mesma.
Eu era uma mulher ferida pelo fogo e teu filho era um pouquinho de água de quem eu esperava filhos. pra não fincar meus dentes no pescoço dela. que era como um riozinho de água fria. Vem sem flores de laranjeira e com um manto negro. e eu não o traí. que derramavam orvalho nas chagas de uma mulher acariciada pelo fogo. por teu filho e eu.(Entra uma vizinha. saúde: mas o outro era um rio escuro. Eu corria com teu filho. (A Vizinha) Deixa! Quero que ela saiba que estou limpa e que podem me enterrar sem que homem nenhum tenha se olhado no branco dos meus peitos. Acende o fogo. e vamos botar as mãos: você. Vai tirar as suas antes. nunca! Honrada. À Vizinha) Não me entendo. que cai no chão. vai dar menos trabalho que cortar unia dália do seu jardim. Olha o meu pescoço.(Aparece a Noiva.) MÃE NOIVA. de onde me chegava o sussurro dos juncos e um murmúrio abafado. é macio. Honrada como uma recém-nascida. fugi! Você também teria ido. Víbora! (Dirigese para a Noiva com um gesto fulminante. terra. e eu quieta sem lhe arrancar os olhos. MÃE NOIVA Que me importa isso? Porque eu fugi com o outro.) Pelo amor de Deus! (Tenta separá-las. (À Mãe) Mas não com as mãos. Eu não queria ouviu bem? Eu não queria! Teu filho era o meu fim.) VIZINHA (Vendo a Noiva. nem eu! (Sarcástica) De quem é a culpa. Mas o que disse. Porque não posso reconhecer. Será que eu não amava meu filho? Mas e tua honra? Onde está tua honra? (Bate na Noiva. por meu corpo. mas o outro mandava centenas de pássaros. então? Mulher fraca e sem brio é a que arranca uma grinalda pra ir atrás de um pedaço de cama esquentado por outra mulher! Nunca mais repita isso! Vingue-se de mim: estou pronta. com ganchos de ferro e com força até que se quebrem meus ossos.) MÃE (para a Vizinha) Quem é?VIZINHANOIVA (para a Vizinha) Deixa! Vim aqui para que ela me mate e para que me levem com eles. Com raiva) Aonde pensa que vai? NOIVA VIZINHA MÃE Vim pra cá. Não reconhece? Por isso pergunto quem é. cheio de ramagens. Fica ai. chorando. pára. mas o braço do outro me arrastou como a correnteza do mar! Ela não tem culpa.
Agora. A Noiva fica na porta. MENINA Corre o fio. e a água forme um pranto entre tuas mãos tão quietas. Deixa eu chorar com você. Que ponham no teu peito cruz de amargura que espeta.) MULHER (entrando e dirigindo-se para a esquerda) Era bom cavaleiro e agora é um monte de neve. porque meus filhos estão debaixo deles. que quatro rapazes Chegam de ombros cansados! Ai. que nos estende juntos para descansar.(Entra outra vizinha. Corre até aqui.) NOIVA MÃE (Entra a Menina. Bendito seja Deus. panos de marfim! Girassol de tua mãe espelho desta terra. no centro do palco. Chora sim.(Entra outra vizinha. Corpos estirados. porque molha a cara dos mortos. corre. Corria feiras e montes e braços de mulheres. Vizinhas. A cruz. doce nome. a cruz! Doces cravos. doce cruz.) MÃE Mas que me importa a tua honra? Que me importa a tua morte? Que me importa nada de nada? Benditos sejam os trigos.MÃEMULHER NOIVA MÃE MENINA (da porta) Já chegaram. Cobertos de barro Já os sinto vir. Mas lá na porta. que quatro rapazes De morte vêem carregados. bendita seja a chuva. MÃE MULHERES Tanto faz. À Mãe. Ai. o musgo da noite é coroa em sua fronte.
uma faquinha.)MÃECAI O PANO.NOIVAQue some dentro da mão mas como penetra fria pelas carnes assombradas! E pára ali. Vizinhas: com uma faca. choram. (As vizinhas. Com uma faca. uma faquinha que some dentro da mão. se mataram estes dois homens do amor.NOIVA MÃE de Jesus. em um dia assinalado. que some dentro da mão. Que esta cruz ampare a mortos e vivos. bem no abrigo onde treme emaranhada a obscura raiz do grito. dois homens ficam caídos com os lábios amarelos. ajoelhadas no chão. em um dia assinalado.
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(Federico Garcia Lorca Com os sapatos e as anáguas empapadas de sangue mas com a cara Desde o próprio dia da boda que o está
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Bodas de Sangue (1933), prendeu Garcia Lorca na casa de Rosales e foi o responsável pela denúncia original que levou ao mandado de captura emitido.
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